Argentino inventa método para facilitar partos de risco
Se a mulher escolhe ser mãe,
a natureza dá apenas uma opção para iniciar essa fase importante da vida delas:
o parto natural.
Algumas mulheres preferem optar por fazer
uma cirurgia e retirar o feto, a chamada operação cesariana (ou aborto, se tudo
der errado). Porém, não é todo corpo feminino que pode arcar com o procedimento
traumático de extrair um corpo estranho tão grande, então se a mulher
apresentar condições de risco (pressão sanguínea muito alta, ritmo cardíaco
anormal, algum aneurisma próximo, glaucoma, etc) o jeito é tentar ajudar a
natureza a comandar o processo.
Só que a natureza não é perfeita e cada
corpo humano possui lá suas fraquezas físicas: a 2ª fase do parto natural, a
expulsão propriamente dita, depende de delicadas contrações musculares, tanto
do útero quanto do diafragma e parede abdominal que comprimem o útero para
fazer com que o bebê seja expelido pelo colo uterino já dilatado (1ª fase).
Dependendo do cansaço físico da futura mamãe (e do quão grande é a criança), a
equipe de médicos e enfermeiros obstetras pode ter que intervir de forma um
tanto invasiva para extrair o bebê.
Desde o século XIX, uma ferramenta
bastante utilizada para ajudar o feto a encontrar o caminho da luz é o fórceps
obstétrico. Ele funciona de forma bastante semelhante a uma tenaz, uma espécie
de alicate-pinça bem delicada, só que sua extremidade é feita no formato
aproximado da cabeça do bebê para aumentar a superfície de contato (e o
coeficiente de atrito) sem precisar colocar muita pressão e poder retirá-lo do
corpo materno com bastante calma. Dependendo da força exercida na retirada por
fórceps, o bebê pode ficar com uma ou outra leve equimose no rosto.
Uma alternativa relativamente recente ao
uso do fórceps no parto normal é a utilização de uma ventosa obstétrica, nome
bonito para o que os irmãos Mario e outros encanadores conhecem como
desentupidor de pia: o médico obstetra pressiona a ventosa contra a cabeça do
bebê (que deve estar à vista) para sugá-la com a diferença de pressão (um outro
nome para a ventosa é extrator à vácuo) e assim levar a criança toda junto. Há
dois problemas com a ventosa:
- Caso não seja encaixada
corretamente, há um provável risco de trazer alguma pequena sequela no cérebro.
- Mesmo encaixada
corretamente, a criança vai ficar com uma notável e desagradável marca de
sucção no topo da cabeça por uma semana.
Meio que por acidente, um mecânico argentino
bem inventivo imaginou um método que fosse menos desconfortável à retirada do
bebê do ventre da mãe num parto normal.
Numa tarde de 2005, os colegas de Jorge
Odon mostram-lhe um breve tutorial no YouTube mostrando como extrair uma rolha
solta de dentro de uma garrafa de vinho vazia.
No vídeo acima, o processo parece ser
extremamente simples: você coloca um saco plástico dentro da garrafa onde está
a bendita rolha, inclina a garrafa para a rolha ficar próxima da saída, enche o
tal saco plástico e, quando sentir que ele envolveu firmemente a rolha, aí sim
você puxa tudo pra fora.
Fascinado com a simplicidade desse truque
visto no vídeo, Odon propôs uma aposta ao amigo Carlos Modena, durante um tango
jantar naquela noite: ele conseguiria retirar a rolha que ficou presa na
garrafa de vinho sem quebrar a garrafa. Modena achou impossível e nosso herói
portenho pegou um saco de pão e ganhou a aposta.
Algumas horas depois, enquanto dormia ao
lado de sua esposa, mãe de seus 5 filhos, Jorge Odon sonhou com a seguinte
indagação: e se usássemos o mesmo princípio para ajudar as mulheres a dar à
luz?
Quatro horas da madrugada,
ele levanta da cama e tenta acordar a mulher:
“— Marcela, aquele truque
com o vinho podia tornar os partos mais fáceis!”
“— Legal, amor”, e a senhora
volta a dormir.
Nos dias seguintes, Jorge Odon ficava
refletindo sobre a grande ideia, tentando demonstrá-la a outras pessoas, mas
ninguém levava o mecânico argentino muito à sério (quem levaria?). Numa bela
ocasião, Odon conseguiu convencer Modena a apresentarem a ideia ao obstetra da
família deste.
“Fomos ao hospital e ficamos numa sala
cheia de mulheres grávidas”, conta Odon.
“Carlos ainda estava cético sobre aquilo
tudo e preferiu sentar-se longe de mim quando fomos ver o médico. Depois que
ele percebeu que o obstetra estava interessado e impressionado com a ideia, ele
aproximou a cadeira e começou a dizer que ‘nós’ havíamos inventado aquilo!”
Com o incentivo moral do obstetra, Jorge
Odon logo registrou uma patente e começou a construir um protótipo em sua
oficina, com a ajuda do amigo Carlos Modena: “imaginem dois homens no banheiro,
com bonecas das filhas e alguns potes de geléia e outros frascos maiores
melados de vaselina. Nossos colegas mecânicos viam a situação toda e
provavelmente achavam que nós éramos doidos”, dizia Odon.
Assim que conseguiram elaborar um
protótipo funcional, Odon o apresentou ao doutor Javier Schvartzman, do Centro
de Educação Médica e Pesquisas Clínicas (CEMIC) em Buenos Aires. Antes daquele
funcional, Odon havia apresentado um 1º protótipo que pouco diferia da “rolha
na garrafa” e o Dr Schvartzman primeiramente achou que fosse pegadinha da TV,
dessas de câmera escondida.
“Quando ele me mostrou o protótipo ‘rolha
na garrafa’, eu pensei que o mecânico era louco, embora a ideia em si fosse
interessante”, disse o Dr Schvartzman.
O primeiro protótipo funcional era um
útero de vidro, onde era introduzido dois sacos plásticos enormes. Dr
Schvartzman explicou que enfiar um saco plástico no útero para envolver o bebê
por inteiro poderia aumentar o risco de perfurar e rasgar o forro plástico,
então Odon adaptou um segundo protótipo para que o saco só fosse aplicado sobre
a cabeça do feto.
Em 2008, o projeto chegou ao conhecimento
da Organização Mundial de Saúde. Em uma visita a Buenos Aires, o
coordenador-chefe para a melhoria da saúde materna e perinatal da OMS, doutor
Mario Merialdi, pediu uma demonstração. A reunião, planejada para durar 10
minutos, estendeu para duas horas:
“Por muitos anos, quase séculos, não houve
nenhuma inovação nesta área de trabalho”, disse o Dr Merialdi.
Naquele mesmo ano, Jorge Odon conseguiu
levar sua criação para a Universidade Des Moines, no Iowa, para que ela
passasse por vários testes em um simulador de nascimentos de última geração,
testes esses observados por especialistas da OMS. Tais especialistas vêem neste
dispositivo simples e barato uma forma de evitar um longo trabalho de parto nos
países em desenvolvimento, onde boa parte dos nascimentos prolongados podem ser
fatais.
“A coisa mais importante do invento do
Odon é que ele é fácil de usar e poderia ser usado por uma parteira sem um
médico presente”, defende o Dr Schvartzman.
Aparentemente o dispositivo de nascimentos
do Odon também reduz o risco de transmissão de infecções como o HIV, da mãe
para o bebê. E graças ao menor esforço físico por parte da mãe, o método
poderia ajudar a reduzir as taxas crescentes de nascimentos por cesariana até
em países desenvolvidos.
Dizem que a necessidade é a mãe da
invenção, mas algumas vezes tudo que precisamos é arranjar um jeito de tirar
uma rolha sem quebrar a garrafa.
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