Uma teoria do crime que merece reflexão
A “teoria das janelas quebradas” ou
"broken windows theory" é um modelo norte-americano de política de
segurança pública no enfrentamento e combate ao crime, tendo como visão
fundamental a desordem como fator de elevação dos índices da criminalidade.
Nesse sentido, apregoa tal teoria que, se não forem reprimidos, os pequenos
delitos ou contravenções conduzem, inevitavelmente, a condutas criminosas mais
graves, em vista do descaso estatal em punir os responsáveis pelos crimes menos
graves. Torna-se necessária, então, a efetiva atuação estatal no combate à
criminalidade, seja ela a microcriminalidade ou a macrocriminalidade.
Por: Luis Pellegrini
Há alguns anos, a Universidade de
Stanford (EUA), realizou uma interessante experiência de psicologia social.
Deixou dois carros idênticos, da mesma marca, modelo e cor, abandonados na rua.
Um no Bronx, zona pobre e conflituosa de Nova York e o outro em Palo Alto, zona
rica e tranquila da Califórnia. Dois carros idênticos abandonados, dois bairros
com populações muito diferentes e uma equipe de especialistas em psicologia
social estudando as condutas das pessoas em cada local.
Resultado: o carro abandonado no Bronx
começou a ser vandalizado em poucas horas. As rodas foram roubadas, depois o
motor, os espelhos, o rádio, etc. Levaram tudo o que fosse aproveitável e
aquilo que não puderam levar, destruíram. Contrariamente, o carro abandonado em
Palo Alto manteve-se intacto.
A experiência não terminou aí. Quando o
carro abandonado no Bronx já estava desfeito e o de Palo Alto estava há uma
semana impecável, os pesquisadores quebraram um vidro do automóvel de Palo
Alto. Resultado: logo a seguir foi desencadeado o mesmo processo ocorrido no
Bronx. Roubo, violência e vandalismo reduziram o veículo à mesma situação
daquele deixado no bairro pobre. Por que o vidro quebrado na viatura abandonada
num bairro supostamente seguro foi capaz de desencadear todo um processo
delituoso? Evidentemente, não foi devido à pobreza. Trata-se de algo que tem a
ver com a psicologia humana e com as relações sociais.
Um vidro quebrado numa viatura abandonada
transmite uma ideia de deterioração, de desinteresse, de despreocupação. Faz
quebrar os códigos de convivência, faz supor que a lei encontra-se ausente, que
naquele lugar não existem normas ou regras. Um vidro quebrado induz ao
"vale-tudo". Cada novo ataque depredador reafirma e multiplica essa
ideia, até que a escalada de atos, cada vez piores, torna-se incontrolável,
desembocando numa violência irracional.
Baseada nessa experiência e em outras
análogas, foi desenvolvida a "Teoria das Janelas Quebradas". Sua
conclusão é que o delito é maior nas zonas onde o descuido, a sujeira, a
desordem e o maltrato são maiores. Se por alguma razão racha o vidro de uma
janela de um edifício e ninguém o repara, muito rapidamente estarão quebrados
todos os demais. Se uma comunidade exibe sinais de deterioração, e esse fato parece
não importar a ninguém, isso fatalmente será fator de geração de delitos.
Origem da teoria
Essa teoria na verdade começou a ser
desenvolvida em 1982, quando o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo
criminologista George Kelling, americanos, publicaram um estudo na revista
Atlantic Monthly, estabelecendo, pela primeira vez, uma relação de causalidade
entre desordem e criminalidade. Nesse estudo, utilizaram os autores da imagem
das janelas quebradas para explicar como a desordem e a criminalidade poderiam,
aos poucos, infiltrar-se na comunidade, causando a sua decadência e a
consequente queda da qualidade de vida. O estudo realizado por esses
criminologistas teve por base a experiência dos carros abandonados no Bronx e
em Palo Alto.
Em suas conclusões, esses especialistas
acreditam que, ampliando a análise situacional, se por exemplo uma janela de
uma fábrica ou escritório fosse quebrada e não fosse, incontinenti, consertada,
quem por ali passasse e se deparasse com a cena logo iria concluir que ninguém
se importava com a situação e que naquela localidade não havia autoridade
responsável pela manutenção da ordem.
Logo em seguida, as pessoas de bem
deixariam aquela comunidade, relegando o bairro à mercê de gatunos e
desordeiros, pois apenas pessoas desocupadas ou imprudentes se sentiriam à
vontade para residir em uma rua cuja decadência se torna evidente. Pequenas
desordens, portanto, levariam a grandes desordens e, posteriormente, ao crime.
Da mesma forma, concluem os defensores da
teoria, quando são cometidas "pequenas faltas" (estacionar em lugar
proibido, exceder o limite de velocidade, passar com o sinal vermelho) e as
mesmas não são sancionadas, logo começam as faltas maiores e os delitos cada
vez mais graves. Se admitirmos atitudes violentas como algo normal no
desenvolvimento das crianças, o padrão de desenvolvimento será de maior
violência quando essas crianças se tornarem adultas.
A Teoria das Janelas Quebradas definiu um
novo marco no estudo da criminalidade ao apontar que a relação de causalidade
entre a criminalidade e outros fatores sociais, tais como a pobreza ou a
"segregação racial" é menos importante do que a relação entre a
desordem e a criminalidade. Não seriam somente fatores ambientais (mesológicos)
ou pessoais (biológicos) que teriam influência na formação da personalidade
criminosa, contrariando os estudos da criminologia clássica.
Landscape
No metrô de Nova York
Há três décadas, a criminalidade em
várias áreas e cidades dos EUA – com Nova York no topo da lista - atingia
níveis alarmantes, preocupando a população e as autoridades americanas,
principalmente os responsáveis pela segurança pública. Nesse diapasão, foi
implementada uma Política Criminal de Tolerância Zero, que seguia os
fundamentos da "Teoria das Janelas Quebradas".
As autoridades entendiam que, por
exemplo, se os parques e outros espaços públicos deteriorados forem
progressivamente abandonados pela administração pública e pela maioria dos
moradores, esses mesmos espaços serão progressivamente ocupados por
delinquentes.
A Teoria das Janelas Quebradas foi
aplicada pela primeira vez em meados da década de 80 no metrô de Nova York, que
se havia convertido no ponto mais perigoso da cidade. Começou-se por combater
as pequenas transgressões: lixo jogado no chão das estações, alcoolismo entre o
público, evasões ao pagamento da passagem, pequenos roubos e desordens. Os
resultados positivos foram rápidos e evidentes. Começando pelo pequeno
conseguiu-se fazer do metrô um lugar seguro.
Posteriormente, em 1994, Rudolph
Giuliani, prefeito de Nova York, baseado na Teoria das Janelas Quebradas e na
experiência do metrô, deu impulso a uma política mais abrangente de
"tolerância zero". A estratégia consistiu em criar comunidades limpas
e ordenadas, não permitindo transgressões à lei e às normas de civilidade e
convivência urbana. O resultado na prática foi uma enorme redução de todos os
índices criminais da cidade de Nova York.
A expressão "tolerância zero"
soa, a priori, como uma espécie de solução autoritária e repressiva. Se for
aplicada de modo unilateral, pode facilmente ser usada como instrumento
opressor pela autoridade fascista de plantão, tal como um ditador ou uma força
policial dura. Mas seus defensores afirmam que o seu conceito principal é muito
mais a prevenção e a promoção de condições sociais de segurança. Não se trata
de linchar o delinquente, mas sim de impedir a eclosão de processos criminais
incontroláveis. O método preconiza claramente que aos abusos de autoridade da
polícia e dos governantes também deve-se aplicar a tolerância zero. Ela não
pode, em absoluto, restringir-se à massa popular. Não se trata, é preciso
frisar, de tolerância zero em relação à pessoa que comete o delito, mas
tolerância zero em relação ao próprio delito. Trata-se de criar comunidades
limpas, ordenadas, respeitosas da lei e dos códigos básicos da convivência
social humana.
A tolerância zero e sua base filosófica,
a Teoria das Janelas Quebradas, colocou Nova York na lista das metrópoles
mundiais mais seguras. Talvez elas possam, também, não apenas explicar o que
acontece aqui no Brasil em matéria de corrupção, impunidade, amoralidade,
criminalidade, vandalismo, etc., mas tornarem-se instrumento para a criação de
uma sociedade melhor e mais segura para todos.
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